
O Mito da Maconha Que Se Recusa a Morrer
Durante décadas, uma frase circulou como verdade absoluta em salas de aula, campanhas antidrogas e conversas de bar: “maconha mata neurônios”.
Pouca gente sabe, no entanto, que essa afirmação nasceu de um estudo profundamente falho — e que, ainda hoje, mesmo desmentido pela ciência, continua servindo de base para preconceito, desinformação e políticas públicas ultrapassadas.
Hoje, vamos colocar luz nesse capítulo vergonhoso da história da pesquisa sobre cannabis e entender o porquê, às vezes, um mito é mais resistente do que um fato.
O estudo que “matou” os neurônios — e a credibilidade
O ano era 1974. Em um experimento conduzido por pesquisadores da Tulane University, nos Estados Unidos, onde macacos foram expostos a grandes quantidades de fumaça de cannabis através de máscaras de gás.
Anos depois, os cientistas afirmaram ter encontrado danos cerebrais significativos nos animais — e a mensagem foi clara: a cannabis destrói células do cérebro.
O problema? Quase tudo nesse estudo era questionável.
Primeiro, os macacos foram forçados a inalar doses altíssimas de fumaça, sem oxigênio adicional, por períodos prolongados. Isso significa que o que causou dano cerebral muito provavelmente não foi a cannabis, mas a privação de oxigênio — um processo conhecido como hipóxia.
Segundo, os dados brutos nunca foram publicados de forma transparente, e a metodologia carecia de rigor científico. Mesmo assim, o estudo ganhou as manchetes. Afinal, ele servia ao propósito político de alimentar a chamada “Guerra às Drogas”, em pleno vapor nos anos 70 e 80.
O que a ciência moderna diz?
Hoje, sabemos muito mais sobre os efeitos da cannabis no cérebro — graças a pesquisas sérias, com tecnologia de imagem avançada e amostras humanas.
E o veredito é claro: não há evidências de que a maconha mata neurônios.
Estudos recentes, como os publicados na Journal of Neuroscience e na Frontiers in Pharmacology, mostram que o uso moderado de cannabis não causa neurodegeneração. Na verdade, alguns canabinoides, como o CBD, apresentam efeitos neuroprotetores, sendo estudados para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e epilepsia.
Além disso, descobrimos o sistema endocanabinoide, presente em todo o corpo humano, incluindo o cérebro — e que interage naturalmente com os compostos da cannabis. Ou seja, nosso organismo já está biologicamente preparado para esse contato.
Por que o mito ainda resiste?
Porque ele foi repetido por décadas sem ser questionado. Porque é mais fácil assustar do que informar. Porque uma frase curta como “maconha mata neurônios” cabe num outdoor, enquanto a ciência exige contexto, nuance e tempo de leitura.
Mas a boa notícia é que estamos vivendo uma virada. A legalização, o uso medicinal regulamentado e o avanço das pesquisas estão ajudando a desfazer o nó da ignorância que envolve a cannabis.
Informação também é antídoto
Desmentir esse mito não é defender o uso indiscriminado da planta. É defender a verdade, o debate honesto e o direito de cada pessoa de tomar decisões baseadas em ciência, e não em medo.
A maconha não mata neurônios. O que mata é o preconceito, a desinformação e a resistência em ouvir o que a ciência vem tentando dizer há anos.